terça-feira, 22 de julho de 2014

Não tem fim

Sim, eu me lembro. De cada detalhe do seu rosto, do tom moreno do seu corpo, do toque macio das suas mãos. Eu me lembro de como os dias eram compridos e de como eu me perdia dentro de mim, sempre tentando buscar pistas de como te encontrar e como não parecer boba quando te encontrava. Eu me lembro das manhãs geladas, dos amigos e das tantas desculpas pra poder te ver, lembro que era tão difícil disfarçar e quando conseguia, o meu tom de pele me denunciava.

Só que tão menina, que tão pouco sabia da vida, sabia do amor. Sabia medir o tamanho, mas não a complexidade. Coisa bonita é essa que a gente tem aqui em cima, faz tudo parecer vivo de novo, lembro das cores, das expressões, das músicas, do cheiro. Me lembro do primeiro dia, do segundo e das semanas que se passaram e se transformaram em anos. Me lembro das taças de vinho, do cheiro do shampoo, das noites claras.

Sim, eu me lembro, sem precisar de retratos na parede, nem cartas guardadas na gaveta quase amareladas com o passar do tempo. Me lembro da meninice e dos olhos marejados, quase sempre acompanhados de uma batida com pressa, querendo saber logo quando era a hora de parar – e não tinha fim.

Não tem fim.

Dani*

domingo, 14 de julho de 2013

As nossas mãos

         Antes do beijo, as mãos tímidas se abraçavam de leve, só com um toque macio pra sentir o calor da pele. Gosto das mãos porque elas, vez ou outra, falam mais que a boca, cada dedo revela um pouco de história. As nossas mãos já brincaram de fazer sombra na madrugada, onde nenhuma palavra mais era necessária, gosto das suas mãos brincalhonas que me fazem cócegas e me acariciam depois do ataque de riso. Gosto das suas mãos quando me segura forte e quase me intimida com o peso delas, mas gosto ainda quando me conduzem ao encontro das suas em qualquer lugar.

        As mãos sentem mais do que o corpo quando contornam cada pedacinho de pele, quando sente o coração ofegante e quando o faz acalmá-lo com os toques suaves de dedos cruzados. Os dedos cruzados enlaçam cada palavra, diz em cada aperto um pouco de verdade. Gosto quando as nossas mãos se aproximam lentamente pra tocar o rosto, e sem dizer nada, dizem tudo. Gosto das nossas mãos quando sem pedir, elas vão sozinhas uma ao encontro da outra. As nossas mãos fazem e acontecem, gosto de segurar suas mãos depois que elas trabalharam tanto, gosto de olhar para as minhas e ver que existe um pouco de você no meu dedo anelar, gosto quando as minhas mãos estão sonolentas e quase caem das suas e quando elas estão atrevidas.

          Gosto das mãos porque elas se dão involuntariamente, se cruzam e se tocam sem nenhum medo e mostram por detrás da pele que existe uma vontade de sempre alcançá-las. Gosto quando as suas mãos me levam pra passear e me seguram na escada rolante, gosto quando as minhas mãos te tocam além do corpo e te dizem para não fumar, gosto tanto quando as nossas mãos conversam só entre elas e mesmo assim temos a sensação de que falávamos horas. Gosto mais do que beijo, quando as nossas mãos se sentem beijadas.

 

Dani* 

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Ella


“Ela estava lá, presente nos olhos dele...E eu estava aqui tentando de todas as formas trazê-lo de volta ao presente, mas ela tocava se declarando toda, do começo ao fim”.


      Enquanto eu segurava uma taça de vinho pra chamar-lhe a atenção e puxava-o para perto a sentir o calor do batom vermelho, seus olhos naquele momento reluziam fogo, pareciam vidrados enquanto ela passava. Estava vestida como se dizia; rainha do corpo moldado à mão. Percebi sua respiração mais ofegante e seus lábios estremecendo enquanto acompanhava-a no ré-bolado de cá para .
      Os dedos dele contavam a batidas dos compassos dela, e eu me despia para pouco lhe chamar. Ele não voltava e ela não parava, passava pela porta escancarando seus timbres e permanecendo firme em cada batida.
      Num cenário cor sépia – meio a meio sol – ela estava melosa e decidida a reescrever a história a dois. Segurei suas mãos e apertei forte, e nenhum sinal de apreço se fazia , só a sintonia como se olhavam percebia que a luta árdua pela presença de si junto a mi, estava acabada.
      Perdi o ritmo, e ela tão sonoramente atrevida balançava-se, aparecia, entrava em cada parte de seu corpo, cada pensamento que ele tinha. Entrava na história em que eu era apenas poesia.


Dani*

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Natural

        Quando penso na vida embalada feito plástico que a gente vive, penso logo de onde eu vim, da terra e da água tão naturais como a luz do sol que transcende a janela. Que por sinal fica tão entre-aberta que os ventos vindos do sul escancaram as cortinas soprando-as bem pro alto, quase que como um convite pra dançar junto. Isso do natural me deixa tão bem, e nos faz tão bem. Se não fosse amor, diria que era loucura alguém acordar com a cara amassada, vestida de calça moletom verde-água um tanto já descorada e receber o “bom dia” do jeito mais natural e tão meigo dessa vida. E como eu gosto, gosto tanto e de tudo isso que até contar as marcas do corpo me fascinam, sei que não há no mundo algo mais natural que perceber os defeitos do outro, e nem fazer conta disso. Porque uma hora ou outra a gente descobre que as mãos envelhecem, mas o carinho que elas fazem não, que as rugas na testa tornam-se cada vez mais visíveis, porque certamente traçaram as linhas das preocupações, das decepções, dos sorrisos que nos mataram de rir e deformaram nossos rostos. Lembro de um dia chuvoso, cinza, que não tinha realmente nenhuma graça, mas você pintou a beleza natural daquelas nuvens quase soltas no céu, desmanchadas a cada segundo pelo vento que soprava forte lá fora. Era o natural dos seus olhos que deslumbraram os meus, dias cinzas ganharam a cor da sua beleza, dos seus olhos tão pequenos e audaciosos que encantam os meus, todos os dias. Digo que estar tão perto assim me convence que é possível levar a vida mais frágil, mais simples, menos dramática e frustrada. Era preciso ser transparente, dar-se por inteiro sem ter medo de não ter sido natural. Lentes de fotografias não mostram o que a vida tem ou o que elas são, parecem imagens desconfiguradas como uma gestalt à procura do retrato, sabe? Traços não se moldam, distâncias não se encurtam, perfeição não existe. Pode ser que uma vez aqui, outra ali, as coisas percam o sentido da vida e se desalinhem, fazem parte de um mundo complexo que a gente vive, cheios de incongruências. Incapacidade também de descobrir novos sentimentos porque gosta de pendurar problemas no varal pra todo mundo ver, pregar propaganda no coração e vender a custo.
      Ser natural me permite acreditar que o amor existe, lindo sim, natural como natureza, como flor desabrochada no galho mais alto da árvore. Diferença.

Dani*

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Fim

“Com absoluta sinceridade, tento ser otimista a respeito de todo esse assunto, embora a maioria das pessoas sinta-se impedida de acreditar em mim, sejam quais forem meus protestos. Por favor, confiem em mim. Decididamente, seu sei ser animada, sei ser amável. Agradável, Afável. E esses são apenas os As. Só não me peça para ser simpática. Simpatia não tem nada a ver comigo.
Eis um pequeno fato: Você vai morrer

Isso preocupa você?
Insisto - não tenha medo.
Sou tudo, menos injusta.”
                                                                                          (Markus Zusak, em A Menina que roubava livros)

"Lá de cima eu via aquele trem desgovernado, vindo na direção contrária do sol. Pouco tempo depois ele ia se descarrilando e cada vagão era brutalmente jogado para os lados. Sem dó nem pena. E dentro dele haviam pessoas que gritavam por socorro, e outras que, acarretadas pelo desespero se jogavam por dentre os trilhos, perdendo o fio de vida que ainda lhes restavam, lutando ironicamente pela suposta sobrevivência.

Quando a tragédia deu-se por inteira, só o que se via eram corpos perdidos no meio do caminho, do fim sem sentido, da história arrancada de dentro de cada uma delas. Todos por um momento estavam cobertos por um resquício de memória quando foram abaladas na sua plenitude. O pouco de saudade que havia restado, ficaram presas dentro vagão e que pouco a pouco iam sendo jogadas para fora também.

Enquanto alguns ainda gritavam por piedade, outros se deleitavam na conformidade, na mesmice, esperando que sua vida fosse salva pelo além e enquanto alguns achavam que o fim da vida era o começo da tão sonhada eternidade, outros acreditavam que a morte em vida ainda era um sinal claro sobre-a-vivência.

Quando o céu resolver manchar o dia de preto, nada mais fazia sentido naquela escuridão, eram almas flutuando a procura da luz e apegos e desapegos tornando-se verdade naquele lugar.

Por instinto de apreciação da vida, preferi fechar as janelas e deixá-las agonizar lá fora."

domingo, 16 de outubro de 2011

Resposta

“Basta-me um pequeno gesto,
feito de longe e de leve,
para que venhas comigo
e eu para sempre te leve...” Cecília Meireles

[ Não há esperança, nem medo e nem caminho. Só há um destino, aquele que talvez ultrapasse nossas esperanças, fazendo-nos, aproximar pela doçura dos detalhes, pelo encanto da poesia e não há o que negar. Eu já sabia, confesso. ]
Mas só me fez bem. Eu me lembro da primeira vez como se fosse hoje. Um encontro de dois; olhos nos olhos, face a face, troca de olhares descuidados de canto-de-olho, uma vontade de querer-te o que, até não se sabe quando...E o beijo que não aconteceu, ah aquele beijo.Você me tirou pra dançar, sem nunca sair do lugar, sem botar os pés no chão, sem música pra acompanhar. Se lembra? Se lembra de como a noite ficou, como as luzes brilharam, como não existiu poesia, nem traços e entre-linhas e foi tudo tão...único.
Há duas primaveras que vejo o tempo passar em miúdos segundos de paciência. Construir um castelo leva tempo, é como se cada grão fosse posto em seu lugar dia a dia, incansavelmente construído e destruído algumas vezes, para que pudesse se reerguer com mais segurança, mais confiança, sem que qualquer vento vindo de outra estação trouxesse uma brisa de saudade, fazendo com que a inconstante areia fosse soprada pra longe.
Mas me apego. Apego-me a força com que as mãos se cruzam e como o toque dos corpos se assemelham numa mistura de magia e emoção. Acredito nessa história de in-saberes, procuro as respostas nas finas marcas deixadas, como se fossem estigmas meados da verdade. Eu quero, como sempre quis. É a minha vida posta na sua, é a faísca que se desprende da matéria em combustão. Quero o andar da vida, a correria do dia-a-dia, quero poder deitar de lado e sentir o perfume de quem está ali, impregnada no travesseiro exalando no que da noite deixou. O quente e o frio, e a mesa do café da manhã, de propósito agrado pedindo para que fique mais um pouco.

Dani*

domingo, 7 de agosto de 2011

Saudade

Sair de lá e vir pra cá
Se encaixando nessa vida minha
Se soubesse que vinha
Meu amor,
Nem saudade sentiria

Se a gente juntasse a saudade
E a colocasse em peça
Talvez o dominó tivesse alguma graça
Sem frieza nem maldade
Só saudade

Dani*